SOLILÓQUIOS
Pedro Avelino dos Santos Júnior
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Matilde
Não sei por quanto tempo fiquei sentado ali naquela posição incômoda e nem como conseguir me esquivar daquela bala perdida que bem próximo de mim atingiu uma garota que passava naquele exato instante. A garota caiu como um peso pesado. Ficou lá desacordada por várias horas até chegar o socorro. É certo que chegara tarde, pois a menina havia falecido. A bala perdida que já não era mais atingira a na cabeça e se alojara no cerebelo. Terrível. Naquele mesmo momento Matilde acabara de chegar ao local. Matilde era uma garota excelente e ao mesmo tempo com dupla personalidade. Acreditavam que tinha a conhecida personalidade borderline. Sim, logo, de um momento para outro se transformava sem mais nem menos. A personalidade borderline está relacionada a personalidades desapegadas, com a consciência de um vazio afetivo interior crônico e incapacidade para sentir e passar emoções, ou ainda de personalidade ‘como se’ aludindo à capacidade da pessoa de fazer de conta. Matilde tinha este tipo de personalidade e já chegou inquirindo ao pessoal que ali se encontrava o que havia acontecido. Mas não foi de maneira tradicional. Ela disse assim:
- Que houve com a menininha?
- Ela está dormindo?
- Deram algum medicamento para ela?
- Ela está morta?
- Mataram ela? Alguém do grupo de pessoas presente respondeu as perguntas:
- Ela foi atingida por bala perdida. E acabou morrendo.
- É o quê? Ela estava perdida?
- Não foi atingida por bala perdida!
- Ah! Todo mundo imaginou que Matilde tinha compreendido. Porém continuou o desvario:
- Coitadinha, fica andando com perdido e dessa forma se perde também, né?
- Não é isso Matilde. Ela foi atingida por uma bala perdida. Entendeu?
- Entendi. Ela estava procurando uma bala que perdeu.
Alguém no meio da multidão retrucou dizendo:
Não adianta. Desmiolado é assim mesmo. Deixa para lá. Ela não vai entender nunca que a garota morreu por causa de bala perdida.
Naquele mesmo instante, Matilde pareceu retornar à realidade e disse:
- Esse mundo está mesmo perdido. Quase todo dia morre alguém por causa de balas perdidas, não é pessoal? Essa garota ai é só mais uma. Outras pessoas sentirão na pele esse drama. Infelizmente.
Ao dizer isso, deu até logo para as pessoas que ali estavam e foi-se embora cantarolando uma cantiga bem antiga e sentimental que dizia assim: “se as águas do mar da vida vierem te afogar seguras na mão de Deus e vai. Segura na mão de Deus. Segura na mão de Deus, pois ela, ela te sustentará”. E seguiu caminhada em uma viagem, sabia-se, sem fim. Matilde deixava história por onde passava, logo, apesar de possuir uma personalidade difícil, fazia as pessoas acharem graça de seus longos contos infantis.
Confissão
O homem chegou ao confessionário da igreja matriz para se confessar e disse:
- Padre! Eliminei três homens.
- Meu filho! Não sabes que é pecado?
- Sim! Sei! E daí?
- Daí que Deus não gosta e nem permite.
- Tudo bem padre. Compreendo!
- Então! Porque fez isso?
- Não sei bem por quê. Sei que fiz e me arrependo!
- Olhe, vou passar para você duzentas Aves Maria! Tudo bem?
- Não sei. Será que esses pecados valem tanto?
- Meu filho! Pecado é pecado e pronto! Você não tem que questionar se vale ou não.
- É, mais, se fosse em outra ocasião...
- Como assim? Que outra ocasião?
- É por que estávamos jogando cartas! Ai eliminei três.
- E por que diabo então veio se confessar!!! Jogo de cartas é somente vicio!!! Basta que faça um tratamento sério e pronto! Argumentou o padre já nervoso.
- Não é isso! É porque não tenho como meta eliminar mais de duas pessoas. Então eliminei três e me sentir culpado e vim confessar. Mas duzentas rezas é demais. Levantou-se e foi-se embora. O padre resmungou:
- É cada maluco que me aparece! Somente Deus é que pode. Jesus Cristo...
A voz
Logo de manhazinha cedo o telefone toca duas, três vezes seguidas. Ele acorda com um grande susto, meio sonolento atende:
- Alô! Quem fala?!
- Sou eu. Sua voz penalizada e assustada!
- Está de brincadeira, né?! É um trote daqueles de bastante mau gosto, né?
- Quem está na linha? Fala?! Que brincadeira é essa?
- Não é brincadeira. Sou a voz de sua consciência!
- Não brinca!!!
- É!
- É o quê?!
- Se esqueceu do que você fez no verão passado?
- Verão passado?! Quê verão é esse do qual não me lembro. Explique-se melhor, por favor.
- Não tenho que explicar nada. Sou sua voz. Sua consciência. Você é que tem que explicar para as outras pessoas. Pois faço parte do seu ser.
- Mas não me lembro de nada!
- Lá na praia do Buraquinho!
- Praia do Buraquinho? Quê praia é essa? Que Buraquinho? Tá maluco! Não consigo me lembrar de nada mesmo. Devo tá perdendo o senso da lógica. Acho que o maluco aqui sou é. E não sei de Buraquinho nenhum, viu!
- Você teve lá no verão passado. É porque quem sofre lembra. Quem não sofre esquece rápido das coisas que fez aos outros. Insistiu a voz mais uma vez.
- Não consigo lembrar-me de nada. Olhe! Melhor para com essa brincadeira de mau gosto, viu!
- Quem é você? Insistiu o homem.
- Sua consciência! Continuou a voz.
- O que eu fiz? Que mal cometi? Fala de uma vez!
- Você a abandonou naquele dia de verão! Logo em seguida ela se suicidou pulando do barco de turistas no centro do mar da Baía de Todos os Santos, indo para a Ilha de Itaparica. Eu vi. Testemunhei sem querer. E você nada fez para impedir-la. Virou as costas e foi-se embora sem nem olhar para trás. Sumiu ao longe. Ela ficou lá solicitando socorro e ninguém percebeu. Em seguida ela desapareceu na água escura e o barco seguiu viagem totalmente indiferente. Foi assim. Concluiu a voz quase desaparecendo.
- Não sabia. Não imaginava que ela faria isso! Sinto muito. Também a amava bastante. Sempre fui louco por ela. Não sabia que poderia cometer algo assim. Sinto me culpado. Não quero mais viver. Sonhara a noite inteira. Foram suas últimas palavras. Jogou-se pela janela do apartamento na Rua Chile, em Salvador, no qual se encontrava no primeiro andar. Ninguém mais ouviu sobre o caso. A polícia civil abriu inquérito para apurar os fatos.
Sobre o outro
“O maior inimigo se esconderá onde você menos espera” (Julius Caesar, 75 a. C). “Você só se supera combatendo um oponente mais inteligente” (Fundamentos do Xadrez, 1885). “Primeira regra dos negócios: proteja seus investimentos” (Etiqueta do banqueiro, 1775). “Não é possível evitar uma guerra, mas sim adiá-la em benefício do inimigo” (Nicolau Machiavel, 1502).
Não sei há a alguma coisa que aprendi nestes últimos anos: em todo jogo e trapaça, existe sempre um oponente e uma vítima. O segredo é saber quando você está para se torna aquele, a vitima.
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Aqueles que se interessarem a obra completa se encontra no SITIO - http://www.clubedeautores.com.br/ - Vão lá.
Obrigado!
Professor Pedro Avelino dos Santos Júnior.